Vai ficar tudo bem

Já sabia que não ia ser fácil. Que a minha vida ia mudar. Naquela tarde de Junho, quente e ventosa, senti-me aliviada. Tinha sido despedida. Saí embalada pela força da aragem, tinha as mãos quentes do calor do verão e um sorriso na cara. Tinha-me livrado de um pesadelo. Mas a vida apanha-nos sempre nas curvas e assim que dobrei a esquina desci um degrau na minha realidade. Enquanto entrava num carro de 25 anos, que neste momento era o único que tinha, despedi-me em silêncio do carro da empresa que me tinha conduzido nos últimos quatro anos. E pensei para comigo "vai ficar tudo bem". Depois, enquanto esperava na fila da segurança social e na fila do centro de emprego, aproveitei esse dia inteiro para perceber que era a única com menos de 35 anos que ali estava, e pensei para comigo "vai ficar tudo bem". Passadas semanas recebo a notícia de que um projecto para o qual contavam comigo, com o qual contava como se estivesse naufragada e precisasse de uma bóia de salvação, não ia arrancar tão cedo. E eu pensei para comigo "vai ficar tudo bem". À beira da praia, longe da minha familia e dos meus amigos, sem a liberdade de um carro para ir comprar ingredientes para um bolo que me apetecia fazer à última hora, pensava "vai ficar tudo bem". E os meses passaram. E senti na pele o que é um natal sem subsidio e o que é um final do ano sem prémio pelo meu esforço e dedicação ao trabalho. Mas pensei que ia ficar tudo bem. Passaram seis meses. À beira da praia, longe dos amigos, sem tudo o que sempre conheci, carro, ordenado, subsidios e prémios, continuo à espera do projecto que não arranca. E continuo a dizer para mim baixinho "vai ficar tudo bem".