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É admitir uma doença crónica

Acordo. Estou em água, sinto o coração a bater na garganta e o silêncio envolve-me. Não reconheço onde estou. Escondo as mãos frias, do escuro, por baixo dos lençóis. Tenho os pés gelados e aos poucos venho a mim. E é então que a sinto. Ali, naquele ângulo turtuoso, lancinante, a morder-me por dentro, constante. A dor. Percebo que sustive a respiração desde que ela me acordou. Tento inspirar devagar, mas é como se estivesse a arder por dentro. Tento lembrar-me dos truques de respiração que me ensinaram mas tenho o pensamento nublado de sono. Ouço a tua respiração, descansada, profunda, de um sono pesado e calmo. Levanto-me devagar e vou de pés descalços até à cozinha. Enquanto preparo um chá para me acalmar, peço com força. Peço por tudo. Peço por mim, por ti, pelos meus pais. Imagino uma casa perfeita, no meio de uma montanha, o meu cenário de escape. Bebo o chá aos golinhos pequenos e começo a descomprimir. Doem-me as mãos de as ter contraídas. Aos poucos começo a sentir-me mais eu. O sangue a correr nos pés. A cabeça a pedir descanso. Volto para ti, deito-me quase a levitar. O meu corpo está tão cansado, como se tivesse corrido quilómetros. Ao teu lado, digo-te baixinho para não me abandonares. Que vai ficar tudo bem. Que vou fazer das tripas coração e dar a volta ao mundo contigo. Que vou ser perfeita. E é quando me sinto já a adormecer que a inveja me invade. Sorrateira. A inveja de um corpo saudável. Apresso-me a fechar os olhos e adormeço com uma dor a latejar no coração. Esta, muito mais difícil de suportar.
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