Acho que todos temos direito a uma fase. Daquelas em que nos apetece partir tudo o que está à nossa frente. Nunca atirar o telemóvel pela janela nos pareceu tão certo. Queremos estar no silêncio. Sem moralismos, sem sentidos de responsabilidade. Dar meia volta com o carro, na hora que já levamos de transito às oito da manhã, em contramão. Adormecer no meio de uma reunião tão importante para concluir que na verdade a nossa opinião nunca chegará ao céu. Comer duas tabletes de chocolate ao jantar acompanhadas de batatas fritas e ir para a cama sem lavar os dentes. Sair do trabalho a meio do dia, conduzir até ao mar e entrar na água gelada ainda vestidos. Mas será isso o suficiente para lavar o corpo e a alma do que não gostamos de fazer? Será esse grito estridente o suficiente para perceber o que queremos? Não. Queremos ir mais longe. Queremos entrar no gabinete do chefe e dizer até nunca mais. Enfiar roupas simples dentro de uma mochila onde parece que cabe o mundo inteiro lá dentro e comprar um bilhete só de ida. Entrar no avião sem saber quando voltamos a pisar esta terra. Levar medicamentos para a malária, para a varíola, para o dengue, para tudo o que seja de terceiro mundo. Levar a esperança de ajudar quem precisa. Ficar um, dois, três, quatro, cinco meses, o tempo que a nossa cabeça pedir num país em que nos sentimos úteis. Viver com o essencial. Percorrer continentes com as unhas sujas e o cabelo por lavar. Sentir a necessidade de conforto na pele e as saudade de casa. Crescer ao reconhecer como o mundo não pode ser mais longe de tudo e de todos. Como somos tão insignificantes no meio disto tudo. Como a vida é volátil e, no fundo, acaba já amanhã.
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