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Teremos tempo?

Rever fotografias. Lembrar-me do cabelo entrançado, da pele suada, do calor que preenche os pulmões, da humidade que se cola ao corpo, das paisagens de cortar a respiração. Da sensação de dever cumprido ao deitar-me sobre a almofada, do cansaço leve, do peso das memórias. Lembrar-me de tudo o que senti, do que imaginei e que se tornou real. Sentir-me pequena pelo privilégio de mergulhar na água que limita o outro lado do mundo, sentir nos lábios o gosto do sal diferente. Sentir falta das coisas que tenho em casa e sorrir perante o pouco que tenho na mochila às costas e o tanto que levo no coração. Ouvir a multidão que nos rodeia sem perceber, tentar atravessar estradas minadas de motas, tuk tuk e autocarros que não respeitam os sinais de trânsito. Já saber como fazê-lo ao fim de algum tempo. Misturar-me com aqueles cheiros, dar aquela comida como alimento ao meu corpo, perceber que lá, no nosso país, nunca vou comer assim. Não sei se é bom ou mau, é diferente, é tentador, é assustador, mata a fome de tanto caminhar. Ter bolhas nos pés, ser o único par de sapatos, passar metade do dia descalça na praia. Brincar com tigres, fotografar macacos em liberdade, comer tarântulas. Querer muito ficar para sempre, querer muito voltar depressa para casa. Sentimentos contrários, evoluir para a sensação de que sou eu que estou ali. Não é mais ninguém. Apanho um punhado de areia com a mão, deito-o sobre os pés, ouço outra língua ao longe, animais atravessam a praia. Sou minúscula. Sou privilegiada. Sou de todos os lados. 



Cambodja 2014



Sou egoísta? Querer voltar ao outro lado do mundo torna-me egoísta?

Egoísta por privar-me de ser mãe cedo, egoísta por privar-me do tempo que posso demorar a ser mãe, egoísta por privar-me do amor que dizem ser incondiconal.

Teremos tempo para ser egoístas? Teremos tempo para ter tudo? Para viajar mais um par de anos, para ter três filhos, para comprar uma casa, para lhes oferecer os melhores colégios? 

Teremos direito a ter tudo? Duas viagens por ano, uma casa, um carro grande, três filhos, colégios privados, as paredes preenchidas de recordações do mundo?

Teremos direito a todo este egoísmo? Mas acima de tudo... 

Teremos tempo?
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8 comentários

  1. Egoísta? Não sei se será o melhor termo... São opções, condicionadas pelos nosso pensamentos e objetivos as tambem condicionada pela vida e sociedade atual :/

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  2. não é ser egoísta, são escolhas. e o que vai no coração, o chamamento e a vontade que grita cá dentro é o mais importante. pelo menos para mim! Mas "teremos tempo?" é a maior dúvida de todas.

    <3 Joana
    www.weareloveaddicts.com

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  3. Gostei de te ler Joana, que texto bem escrito :) questão que me ponho muitas vezes também ....

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  4. não é ser egoísta é uma questão de prioridades... tudo na vida esta sujeito a arrependimentos :) quando o momento chegar vais saber :)

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  5. Acho que temos pouco tempo. Por isso peguemos no que temos e sejamos felizes. A viajar ou a ser mãe. Temos opções e as escolhas trarão umas coisas boas, outras menos boas. E aí agarramo-nos às coisas boas :)
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  6. também me surge muitas vezes essa questão, a do tempo. era tão bom poder parar o tempo de vez em quando e simplesmente ir conhecer o mundo todo, sem ter de pensar em mais nada... percebo os teus dilemas, querida Joana, mas não acho de todo que seja uma questão de egoísmo...acho que é uma questão de prioridades e de timings, o que fizer mais sentido para ti (para vocês) será certamente o que vos fará mais felizes. tudo a seu tempo, tudo com tranquilidade! ;)

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  7. Acima de tudo temos que ter tempo para sermos felizes e fazermos o que mais gostamos =) Não, não é egoísmo!

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