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Do fim de um dia feio

Vou fechar os olhos e imaginar o vento a despentear-me, uma mão no volante e a outra do lado de fora, a mergulhar nas ondinhas da deslocação do ar. Está uma noite quente, tenho esta* música a elevar-me o espirito, o coração aos bocadinhos e um maço de cigarros à espera do isqueiro que tens sempre pronto para me emprestar. Vou chegar ao pé de ti e vais abraçar-me com o olhar. Sem palavras. Sem cumprimentos, como se nos tivéssemos visto ainda de manhã. Acendo um cigarro, acedes outro. E é aí que começa a magia. Acabas as minhas frases, despedaças o teu coração para fazer companhia ao meu, não há conselhos, não há frases feitas. Há compreensão. Há ouvir. Há cumplicidade e comunhão de sentimentos. E depois sonhamos ainda mais alto, atrevemo-nos a revelar o que temos dentro de nós escondido de toda a gente, fazemos planos, sempre muitos planos. Muitos objetivos que já sabemos que não vão ser cumpridos. Porque a vida é mesmo assim. A falta de reconhecimento, de adrenalina, o vazio que nos enche a taça de cereais logo pela madrugada a substituir o leite. Mais um voo, mais uma viagem, mais vida desperdiçada em terminais de aeroportos, sempre à espera de chegar a casa. Sentir o cheiro que vem de nós e reconhecer que a maior parte das pessoas que nos amam não nos enxergam. Vêm mas não enxergam. Porque os pormenores são tão pequenos e insignificantes, porque a infelicidade vem de dentro. De ti e de mim. De nós as duas. Que ou somos egoístas ou superiores a este mundo.



*Priscilla Ahn - Dream
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